segunda-feira, 23 de agosto de 2010

As declarações falsas do segurado

A questão acima tem sido tema recorrente no meio segurador, sobretudo em função das negativas das seguradoras no tocante a não pagar sinistros daquelas apólices cujo questionário de avaliação de risco(perfil) não esteja de acordo com a realidade dos fatos. A controvérsia é sempre apurada no momento do sinistro.

Vale ressaltar o artigo 765 do nosso código civil que determina: “ O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”. Ou seja, a boa-fé é a intenção pura, isenta de dolo. É aquele sentimento verdadeiro facilmente encontrado nas chamadas pessoas de bens.

Qualquer um entende o que isso quer dizer.
Não obstante, para o segurado, nem sempre é fácil se conduzir consoante este princípio. Isto porque, para o segurador, profissional no assunto, é simples saber a influência de uma resposta dada pelo segurado, no tocante a ela determinar a maior ou menor agravação do risco. O mesmo já não se pode dizer com relação ao segurado.

Em outras palavras, o sentimento do risco é absolutamente diverso para as partes.

Vamos a um caso concreto.

Um segurado, ao ser perguntado onde morava, era jovem, respondeu que residia no Leblon, bairro elegante situado na capital do Rio de Janeiro. Entretanto, aquela resposta não refletia a realidade dos fatos, já que o jovem segurado, em verdade, residia no subúrbio de Rocha Miranda, bairro afastado da zona sul do Rio. De fato, a tia dele é quem morava no Leblon e o levava para passar lá todos os finais de semana.

Existia, até mesmo, o projeto dele ir, no futuro, lá com ela morar. Então, o jovem segurado, carioca, na cabeça dele, já ia “tirando uma onda”(expressão local que denota dar-se ares de importante, rico etc) por antecipação.

Observe-se que na cabeça do jovem estava tudo certo. Nada demais. Até ocorrer a batida com o carro segurado. Na ocasião a seguradora negou-se a pagar a indenização alegando que o jovem mentira, sobre o bairro onde, efetivamente, residia. E, aduziu a seguradora, o fez para tirar proveito econômico, já que tal informação conduzira a pagamento menor de prêmio(preço) do seguro.

Evidente que o jovem não estava de má-fé. A informação, na cabeça dele, era irrelevante. Contudo, para o segurador tal informação era de vital importância na formação do preço. Aí surge outra questão. Será que o jovem , quando perguntado, foi advertido para a enorme seriedade de que se revestiam as respostas ao questionário?

Será? Não teria sido através de um telefonema rápido, tão a gosto do capitalismo?
Afinal, os negócios têm pressa, não é mesmo? Também não teria sido num balcão de banco onde a atendente já trouxe a ficha com os principais dados cadastrais, endereço da tia incluso, preenchidos? O que está por trás dessas questões? Algo muito mais relevante. O rigor na liquidação do sinistro não corresponde ao estado de graça da venda. Infelizmente, são situações díspares.

Mas, essa situação tem previsão na lei. O artigo 766 do código civil, dá o comando: “ Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido. Parágrafo único.

Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio”.

Então, o legislador no parágrafo único do citado artigo dá solução ao caso, sabendo da possibilidade do ruído na comunicação se realizar, porém não resultando de má-fé do segurado.

Assim ocorrendo, tem o segurador o direito de resolver(desfazer) o contrato, ou, a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença de prêmio por ventura existente. E, não é difícil saber se o segurado estava ou não de má-fé. As diferenças de prêmios, nem sempre são tão elevadas a ponto de o segurado ser induzido à mentira.

Demais disso, existem as declarações de renda, os lançamentos em cadastros de proteção ao crédito e outros dados e circunstâncias que poderão ser levados em conta e, rapidamente, se saber da presença, ou não, da boa-fé do cliente. Basta um pouco de boa vontade.

Em regra, o segurado tem sido beneficiado com decisões judiciais, a propósito dos casos levados à justiça. Isto porque, sabem os julgadores da extraordinária diferença, no tocante ao rigor, das operações de fechamento de um contrato(alegria pura e total descontração) em relação ao pagamento das indenizações(há agentes especializados em “descobrir” a mínima falha, rigor total).

O que se quer, o que se busca, é uma proximidade desses pontos de modo a torná-los mais adequados às situações, sob pena da instituição do seguro acabar perdendo.


Fonte: João Marcos B. Martins Administrador, Pós-graduado em Administração, Advogado especializado em Seguros, Mestre em Direito e Professor Universitário, tendo sido Coordenador do Curso de Pós-Graduação – IAG-Master em seguros, da PUC-RJ, é membro da Associação Internacional de Direito de Seguro (AIDA BRASIL).
Autor dos livros: O Contrato de Seguro, Direito de Seguro:Responsabilidade Civil das Seguradoras,
Dicionário de Seguros,Previdência e Capitalização, Mil perguntas de Seguros, Previdência e Capitalização.
Compõe o quadro de advogados de Villela Duplan Advocacia-RJ.

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